Rui Botelho é Mestre em Mecatrônica pela Universidade Federal da Bahia e bacharel em Ciência da Computação pela Faculdade Ruy Barbosa (Salvador/BA). Ex-servidor de carreira da Agência Espacial Brasileira (AEB), possui mais de 27 anos de experiência como gestor e agente público em diversos entes Federais e Estaduais e mais de 15 anos como docente e gestor acadêmico do ensino superior, em instituições da Bahia e do Distrito Federal. É professor visitante do Programa das Especializações em Engenharia da Universidade SENAI / CIMATEC (Salvador/BA) e analista de sistemas do quadro próprio da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa). Escritor e jornalista, é autor do livro "Agência Espacial Brasileira: Um diagnóstico de Gestão". Tem publicado constantemente em revistas e congressos do setor espacial, além de ser membro-fundador da Aliança das Startups Espaciais Brasileiras (ASB), Editor do Blog e do canal do YouTube do Brazilian Space e ser co-autor do Podcast Espacial Brasileiro (PEB). Eu fiz essa entrevista com quatro perguntas, que tiveram as respostas que seguem abaixo.
Professor Rui, eu vou te deixar 4
perguntas, para você ir me respondendo, na ordem seguinte:
1. Fale um pouco de sua
trajetória e formação. Como começou seu interesse pela ciência, e mais
especificamente, pela área espacial?
2. Quais conselhos você daria para
um jovem que deseja ingressar no mercado aeroespacial brasileiro e mundial? O
que ele deve estudar, quais habilidades deve desenvolver?
3. Ao seu ver, a ficção científica
realmente promove o interesse pela ciência, ou acaba criando um interesse pouco
profundo, que não vai longe?
4. Fica aqui um espaço livre para
você deixar suas ideias, e quaisquer considerações que deseje fazer.
Rui:
Bem, falar um pouco da minha história, Nicolas, é história pra
caramba, viu? Tô com 53 anos, né? E fiz bastante coisa na minha vida, gostaria
de ter feito um pouco mais. Mas fiz muita coisa e deixei de fazer também muita
coisa. Então, é complicada essa pergunta, que pode virar um cento... É que lá
vem a história, né? Mas bem, eu sou de Salvador, né? Baiano de Salvador. Meus
pais são professores. O que eu me lembro, desde muito novo, foi sempre que
gostei muito de ler.
Na casa dos meus pais, eu sempre tive acesso – naquela época não
tinha internet, né? Então, minha grande fonte de referência eram os livros. Às
vezes, lia livros que eram até um pouco mais avançados para a minha idade,
principalmente da coleção dos meus avós. Meu avô também lia muito. Lembro que,
na minha primeira infância até a adolescência, eu devorava enciclopédias.
Adorava enciclopédias! E acho que isso foi muito importante para mim porque me
deu cultura geral e uma visão do mundo. As enciclopédias demoravam um pouquinho
para serem atualizadas, mas assim...
Eu sempre tive acesso a boas fontes: bibliotecas e tudo mais no
meu colégio. Estudei no Colégio Antônio Vieira, colégio tradicional aqui de
Salvador. Aliás, meu pai estudou lá, eu estudei lá, meu filho estudou lá, minha
irmã estudou lá. Tive uma boa formação. Sempre fui um bom aluno, de pegar
assuntos fácil, mas nunca fui muito preocupado com notas. Tirava boas notas,
estava sempre ali bem. Mas, principalmente na adolescência, eu meio que
estudava só para passar na prova.
Joguei muito vôlei na adolescência e até sair do colégio. As
provas eram normalmente aos sábados, e, às vezes, eu estava fazendo a prova e
contava quantas questões tinha respondido, quantos pontos achava que ia
tirar... Porque ouvia a bola de vôlei, o pessoal jogando na quadra. Não
recomendo isso pra ninguém, mas, de certo modo, eu tinha muita confiança, e
normalmente dava certo, né?
Em termos de nota. Em termos de conteúdo, nunca tive
dificuldades. Sempre gostei de estudar por estudar, não para tirar nota. Nunca
fui de decorar fórmulas; sempre deduzia do lado da prova, pegava as fórmulas
básicas, os conceitos, e deduzia. Nunca fui de decoreba, apesar de ter boa
memória, mas nunca gastei energia decorando fórmulas.
Terminei o colégio e não passei de primeira no vestibular porque
só queria Ciência da Computação – que é minha formação. Essa trajetória de
buscar o curso demorou um pouco: terminei o segundo grau (na época era
"segundo grau"), não passei no vestibular e fui fazer cursinho.
Depois, passei em tudo que quis, menos em Computação. Passei em Engenharia
Mecânica, cursei Engenharia Mecânica.
Já casado com a mãe do meu filho, estudei com ela para o
vestibular de Contabilidade, passei, cursei dois anos. Mas, quando passava no
vestibular, já trabalhava – casei muito novo –, então não passava para
Computação. Passava para Engenharia, mas não para Computação. Aqui na Bahia
eram cursos com poucas vagas. Finalmente, servi o Exército de 1991 a 2000 como
oficial temporário.
Nesse período, não consegui terminar a graduação porque na
federal as aulas eram o dia todo. Tentei cursos noturnos, mas no final consegui
passar no vestibular da Faculdade Rui Barbosa, aqui de Salvador, que tinha
Ciência da Computação à noite. Foi lá que me formei. Dei baixa do Exército em
2000 e, em 2004, terminei a graduação.
Fiz um bom curso, tive ótimos professores. Depois, fui fazer
mestrado em Mecatrônica, já que não havia mestrado em Computação na Bahia.
Entre na UFBA como aluno especial, pois já trabalhava e era pai – fui pai aos
22/23 anos, em 1994. Casei muito novo, como já disse.
Entrei no mestrado em Mecatrônica em 2004/2005. Já estava
envolvido com pesquisa em robótica na faculdade, fui líder do grupo de
robótica, participei de congressos nacionais. Cursei disciplinas como aluno
especial e só entrei como aluno regular para defender. Isso demorou: por volta
de 2010/2011, terminei os créditos e defendi minha dissertação na área de
inteligência artificial, agentes autônomos e sistemas multiagentes.
Nesse meio tempo, houve o acidente em Alcântara. Sempre gostei
de astronomia – nasci em 1972, não peguei o homem na Lua (o programa Apollo
acabou naquele ano), mas acompanhei as estações espaciais Salyut, Skylab, Mir e
o ônibus espacial. Lia clássicos de Carl Sagan, Arthur C. Clarke... Mas nunca
me imaginei na área espacial. Quando aconteceu o acidente em Alcântara, aquilo
me impactou. Logo depois, o DCTA/Força Aérea lançou um concurso para ocupar
vagas dos que faleceram. Eu não tinha terminado o mestrado ainda, e a titulação
exigia mestrado.
Interessante: também tentei o vestibular da AFA para ser piloto,
mas não passei. Talvez, se soubesse da carreira espacional na época, teria
seguido. Concluí o mestrado e, de 2000 a 2009, trabalhei em TI em Salvador –
banco de dados, desenvolvimento em Delphi. Trabalhei em órgãos do Estado da
Bahia, como o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Administração. Em 2007, fui
convidado para ser professor na faculdade onde me formei, depois lecionei na
Católica, Estácio, FIB e hoje sou professor do SENAI CIMATEC.
Em 2010, passei no concurso da EMBASA (empresa de saneamento da
Bahia) e segui na carreira de TI. Em 2013/2014, resolvi me preparar para o
doutorado. Um ex-professor me deu um problema sobre detritos espaciais. Estudei
dinâmica orbital, satélites e preparei meu projeto, submetido em julho de 2014.
Paralelamente, surgiu o concurso da AEB. Enquanto entregava o projeto do
doutorado, recebi um e-mail sobre o edital da AEB. Resolvi fazer o concurso –
passei e fui chamado em 2016.
Antes de assumir na AEB, em 2016, fiz um curso na China sobre
GNSS (sistemas de navegação) na Universidade Beihang, em Pequim. Foi incrível –
conheci pessoas do mundo todo. Voltei em maio e, em julho, assumi na AEB em
Brasília. Suspendi meu contrato na EMBASA e fiquei um ano e pouco por lá. Na
AEB descobri por que o Programa Espacial Brasileiro está estagnado: falta visão
estratégica e de Estado, má governança e gestão amadora. Mesmo assim, foi uma
experiência rica – coordenei parte do projeto do satélite Amazônia, visitei o
INPE e o CLBI.
Voltei para a Bahia no final de 2017 e conheci o Duda Falcão,
fundador do Brazilian Space, que
morava perto de mim. Comecei a colaborar com o blog, assumi a editoria e
publiquei artigos técnicos baseados em meu trabalho na AEB. Participei de
congressos, como o Primeiro Congresso Aeroespacial Brasileiro em Foz do Iguaçu
(2018), onde propus a Carta de Foz, e
no segundo em Santa Maria (2019). Hoje sou professor no SENAI CIMATEC e
continuo no Brazilian Space. Essa
trajetória incidental me levou a algo que nunca imaginei amar tanto: a área espacial.
Transformou minha vida. E basicamente é isso aí.
2: Veja bem,
tradicionalmente o mercado espacial envolve muita tecnologia, muita ciência,
muita pesquisa, inovação, e tradicionalmente existe um acrônimo de áreas do
conhecimento, matérias ou áreas do conhecimento ou profissões que, vamos dizer
assim, são as mais vocacionadas, as que mais podem contribuir com a atividade
finalística na área espacial, que é o quê? Desenvolver soluções, sistemas,
produtos e serviços para a área espacial. E essa sigla é conhecida como STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics). Essa sigla STEM
é o acrônimo que representa essas grandes áreas.
Mas eu penso que nós estamos vivendo um momento na área espacial
de desenvolvimento que a gente chama de uma
nova corrida espacial – agora não mais uma corrida com propósitos
militares, geopolíticos ou astropolíticos preponderantes, mas também uma
corrida econômica. É lógico que a parte geopolítica, militar e astropolítica
não vai deixar de existir nunca, mas não é mais o mote de uma ideologia querer
se mostrar melhor do que a outra, como foi na primeira corrida espacial. Então,
nesse novo cenário, eu não enxergo somente
Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática como as principais – ou
exclusivamente elas.
O que eu penso é que o espaço, principalmente agora com o
envolvimento da iniciativa privada, vai precisar de advogados – tanto para a área do direito espacial quanto para a
área do direito internacional de um modo geral –, porque a coisa vai estar tão
crescida que hoje você vai ter um foguete indiano sendo lançado, sei lá, um
foguete australiano sendo lançado do Reino Unido, um foguete americano sendo
lançado da Nova Zelândia.
Então, a coisa vai levar um payload
que é japonês, certo? Que vai trabalhar para uma empresa sul-coreana. Está tão
mesclado, tão globalizado, universalizado, que diversas áreas vão atuar.
É lógico que Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática vão
ser as áreas que, digamos assim, vão dar a base para desenvolver esses sistemas
principais, mas outras áreas vão atuar. Você vai precisar de gente na área de Marketing, gente na área de Administração. A área espacial vive um
momento hoje, Nicolas, que eu comparo a dois momentos na história da
humanidade. O primeiro são as Grandes
Navegações.
Nas Grandes Navegações, se fazia comércio em navios com
navegação de cabotagem, próxima da costa, dentro do Mediterrâneo, do Mar
Vermelho, do Golfo Pérsico, ali no Mar da China, perto da terra... Até que os
portugueses se lançaram no Oceano Atlântico e descobriram que a Terra era muito
maior, tinha muito mais continentes não submersos, não era tanto oceano quanto
se imaginava, e que era redonda.
Esse momento é o que estamos vivendo agora. Quando Portugal se
lançou ao mar, não foram só engenheiros navais, astrônomos, cientistas e
matemáticos que brilharam: tinha de tudo. Tinha artesãos, pessoas que faziam as
velas, comerciantes, bancos que financiavam as expedições e lucravam com isso.
Então, houve um esforço da sociedade portuguesa como um todo para se lançar ao
mar e fazer de Portugal, durante algum tempo, a maior potência do mundo. É isso
que estamos fazendo agora: indo para a Lua, pensando em Marte e além. Essa é a
primeira observação que faço.
No segundo ponto: o que eu acho que os jovens de todas as áreas
devem estudar – se quiserem entrar na área espacial – é entender o contexto geral do que é a tecnologia, do que são as
ciências, conhecer a história da área espacial, conhecer os problemas que
existem na área espacial e buscar uma área que seja dentro desse universo
gigantesco que é o mercado, as ciências, as tecnologias, a inovação, as ações
governamentais, militares, civis, de diversos propósitos.
Problemas como o dos detritos
espaciais – que me envolveram e me fizeram aproximar da área espacial,
entrar na Agência Espacial Brasileira e abrir portas que ainda continuam se
abrindo – são exemplos. Então, identifiquem esses desafios e suas próprias
competências: como você pode contribuir nesse segmento? Tem várias maneiras. Se
escolher Engenharia, Ciência, Tecnologia ou Ciência da Computação, não podemos
deixar de falar que a área espacial é multi,
ultra, pluridisciplinar.
Peguemos um foguete, um satélite, uma antena, um radar espacial:
ali está o estado da arte de tudo que a humanidade desenvolveu em sua história.
Se fizermos uma decomposição de sistemas em uma árvore genealógica, vamos
encontrar todos os conhecimentos já reunidos para produzir esses sistemas.
Comunicações, câmeras, antenas, radares, transponders,
painéis solares... Tudo está ali.
Mesmo na Engenharia, uma engenharia só não dá conta. Um aluno de
Engenharia Aeroespacial não será especialista, mas generalista: ele pensará em
missões e soluções para o espaço. Para trabalhar em um foguete, é preciso ter
engenheiros mecânicos (com conhecimentos em mecânica de materiais, simulação
térmica, dinâmica de fluidos), engenheiros químicos (para propelentes,
combustíveis), engenheiros civis (para infraestrutura de lançamento),
engenheiros elétricos, matemáticos, cientistas da computação...
Até conceitos como antenas
definidas por software (que substituem hardware físico por algoritmos) são
revolucionários. Minha dica é: entenda o potencial da área espacial, os
problemas e veja como suas competências se encaixam. Se quer desenvolver
software para sistemas espaciais, pode trabalhar com embarcados em satélites,
compactação de imagens, processamento de dados brutos via IA – não apenas
entregando dados, mas informação e conhecimento.
Para finalizar, Nicolas: o momento atual da área espacial é
comparável à revolução da computação
dos anos 70/80. Antes, computadores eram máquinas complexas manuseadas por
"gênios"; hoje, qualquer criança usa smartphones intuitivamente. A
área espacial está sendo popularizada:
empresas usam dados de satélite sem saber que são "espaciais".
Assim como a internet espacial (com satélites de órbita baixa) e
tecnologias como IoT ou gêmeos digitais estão se tornando comuns, o espaço será
parte do cotidiano. Há 15 anos, quem imaginaria carros elétricos lançando
foguetes? Pois é. A mensagem é: não é
preciso ser gênio – o espaço precisará de todos, de artistas a
agricultores.
3. a ficção
científica, se ela desperta um interesse, promove o interesse pela ciência ou
acaba criando um interesse pouco profundo, eu acho que isso é relativo. A
ciência e a ficção, elas vão andando, desde que a sociedade é sociedade, para e
passo. O ser humano, com suas capacidades cognitivas e de abstração – que é a
grande diferença nossa para os outros seres, que também são inteligentes (não é
só o ser humano que é inteligente; existem comportamentos inteligentes em seres
individuais ou em grupos, como os insetos).
Individualmente, cada formiga não é inteligente, mas
coletivamente o formigueiro se propõe a um resultado coletivo e tem um
comportamento inteligente para alcançá-lo. As abelhas, os bandos de animais...
Ainda que cada indivíduo não seja detentor de uma grande capacidade, a grande
diferença do ser humano é a capacidade
de abstração.
É a capacidade de não só gerar informação e criar conhecimento,
mas de, a partir do conhecimento, gerar metaconhecimento,
metainformação, síntese, regras,
metarregras. Os níveis de abstração que o ser humano consegue alcançar – onde
ele não precisa materialmente tocar algo para, no seu raciocínio, produzir
resultados e mais informações com alguns dados iniciais – são únicos.
A ficção científica é resultado disso, muito similar ao que hoje
chamamos de futurologia. O que antes
era chamado de ficção científica (quando a ciência ainda não havia evoluído
tanto nos últimos dois séculos) hoje se transformou. A ciência evoluiu não só
em resultados tecnológicos, mas na própria metodologia de como a ciência faz ciência. A metodologia científica, o método
experimental, teórico – tudo isso avançou, mesmo que os gregos já tivessem
definido as bases.
Os futurologistas do passado, que vislumbraram o potencial de
tecnologias ainda impossíveis em sua época, anteciparam mudanças que poderiam
trazer tanto o bem quanto o mal. Vemos isso nas dialéticas da robótica (como o
medo do "robô destruidor"), que já eram discutidas muito antes da
robótica existir de fato.
A ciência propõe hipóteses para o futuro; a ficção científica
imagina como essas hipóteses se materializariam. Jules Verne, por exemplo,
descreveu tecnologias que só se tornaram realidade séculos depois. Arthur C.
Clarke, com base científica sólida, projetou visões da ciência aeroespacial que
ainda hoje nos impressionam.
A ficção científica, portanto, promove uma visão de futuro que instiga as pessoas a imaginarem possibilidades.
O problema é que, hoje, muitos substituem a leitura de livros por adaptações em
filmes ou séries – o que acaba simplificando e glamourizando a ciência, reduzindo-a a pura fantasia.
Por exemplo: a série O
Problema dos Três Corpos, mesmo sendo complexa, ainda é superficial
comparada ao livro. A profundidade dos conceitos científicos (como a física
contraintuitiva) exige engajamento. Autores como Carl Sagan popularizaram a ciência sem perder rigor – ele
transformou conhecimento doutoral em obras acessíveis, sem precisar de teses
herméticas.
Por outro lado, há autores como Erich von Däniken (de Eram os
Deuses Astronautas?), que misturam especulação, teologia e pseudociência.
Ainda assim, até esses trabalhos podem ser úteis se lidos com discernimento:
separando o que é ciência, o que é fé, e o que é pura imaginação.
Concluindo: a ficção científica baseada em pesquisa sólida estimula o interesse genuíno pela
ciência. Já as obras rasas (como filmes que priorizam efeitos visuais) apenas
arranham a superfície. Na ciência real, como dizem, é "10% inspiração, 90%
transpiração" – muito estudo, cálculo e leitura para transformar ficção em
realidade.
4. Bem, quanto a deixar as ideias,
eu acho que espalhei um pouco dos meus pensamentos sobre o setor espacial, as
atividades espaciais e o programa espacial nas outras partes do áudio. Mas o
que eu penso é que, olhando para o Brazilian Space como um canal que fala sobre
o programa espacial brasileiro, eu particularmente falo muito sobre isso.
Nossa juventude, é lógico, se
encanta com o que está acontecendo na área espacial no resto do mundo,
especialmente nos Estados Unidos, com a SpaceX. Fica ali, e é difícil imaginar
que, hoje em dia, as pessoas teriam como atividade assistir ao lançamento de um
foguete. Isso faz parte da popularização, que eu acho interessante. Mas, ainda
que a gente tenha que observar o que está acontecendo no mundo, não podemos
deixar de olhar para o Brasil.
Você perguntou como trabalhar na
área espacial e o que fazer. Eu penso que o jovem tem que se preparar para
trabalhar no mundo todo. Talvez o Brasil ainda não esteja preparado. Nosso
país, de um modo geral, nossas instituições governamentais e nossa sociedade
ainda são muito imaturos e não valorizam devidamente a área espacial. O Duda
Falcão, meu parceiro do Brazilian Space, chama o setor espacial brasileiro de
"o patinho feio das ciências brasileiras". Se compararmos com outras
áreas do conhecimento, o Brasil se destaca na astronomia. O país está sempre
publicando artigos fantásticos em parceria com instituições internacionais.
Mas, no programa espacial brasileiro, no desenvolvimento e no domínio das
tecnologias espaciais, estamos muito atrasados. O que o Duda diz é que o
programa espacial brasileiro é, de fato, o patinho feio da ciência no Brasil.
Então, nesse sentido, quero deixar
essa mensagem: por mais que o jovem esteja frustrado ou não veja inspiração no
Brasil, não podemos apenas nos encantar com o que acontece lá fora, com as
tecnologias e sistemas estrangeiros, sem nos envolvermos para que isso também
aconteça aqui. Essa é a grande proposta do Brazilian Space.
O Duda, por vezes, tem uma postura
um pouco ácida e dura nas cobranças, especialmente em relação aos entes
governamentais. E tem que ser assim mesmo, porque são servidores públicos pagos
por nós. Eu já estive desse outro lado, fui da AEB, e sempre gostei de ser
cobrado, porque sabia que estava fazendo minha parte. Mas a sociedade precisa
se mobilizar mais, acompanhar e defender as ações corretas para o programa
espacial brasileiro.
Como o Duda sempre diz, o problema
do programa espacial brasileiro não é falta de cientistas ou pesquisadores. Nós
temos, se não os melhores, entre os melhores profissionais, que fazem muito com
poucos recursos. O principal problema é a péssima gestão e governança
ineficiente. A sociedade precisa cobrar o desenvolvimento de um programa
espacial sério no Brasil, assim como cobra carnaval, festas e outras pautas. O
programa espacial não é apenas sobre foguetes voando. Ele tem potencial para
gerar empregos e fortalecer a economia. Até 2035, as atividades espaciais no
mundo movimentarão trilhões, e o Brasil poderia estar se beneficiando disso,
desenvolvendo uma indústria espacial para soluções nacionais e internacionais.
Atualmente, 80% do mercado espacial
global está concentrado nos Estados Unidos e na Europa. A China, apesar de ser
um grande player, sofre embargos dos EUA, que detêm mais de 70% das patentes
espaciais mundiais. Os chineses não assinaram o acordo de salvaguardas com os
EUA porque não respeitam patentes, o que gera desconfiança na área tecnológica.
Com isso, a China criou uma indústria espacial própria. Os EUA não permitem que
quem usa suas tecnologias trabalhe com a China.
Nesse contexto, se não houver a
China para produzir componentes mais baratos, o Brasil poderia ocupar esse
espaço. Mas, em vez disso, estamos deixando essa oportunidade de mão beijada
para a Índia, que está se tornando "a China do setor espacial". O
Brasil poderia pegar uma fatia desse mercado, pois temos cientistas e
engenheiros altamente capacitados. No entanto, nosso problema é a governança
ruim e a incompetência de gestores públicos. E é isso que o Brazilian Space
denuncia, cobra e exige mudanças. Mas não conseguimos fazer isso sozinhos.
A prova disso é a Lei Geral do
Espaço, que foi alterada e transformada em uma legislação militarizante. Não
sou contra o setor militar, mas o programa espacial brasileiro tem vertentes
civil e militar, e nenhuma pode se sobrepor à outra. O setor civil não pode
impedir os militares de realizar atividades de segurança nacional, assim como
os militares não devem controlar atividades civis.
Temos uma demanda reprimida por
tecnologias espaciais no Brasil. Compramos soluções do exterior em vez de usar
tecnologias nacionais porque não tratamos o programa espacial como estratégico.
A Agência Espacial Brasileira deveria estar vinculada à Presidência da
República, como era em 1994, quando foi criada. Hoje, está subordinada ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, diluída em um grande guarda-chuva de
projetos.
Minha mensagem final é esta: peço a
você, Nicolas, e a todos que vão ler esta matéria, que ajudem. Não precisa ser
apenas pelo Brazilian Space. Envolvam-se mais com a área espacial no Brasil,
cobrem as autoridades, informem-se e atuem. Se o Brasil se organizar e
transformar o programa espacial em um programa de Estado, ainda podemos surfar
essa onda. Perdemos a oportunidade na área de informática por falta de
planejamento e criação de reservas de mercado ineficientes. Hoje, dependemos de
tecnologia estrangeira e não produzimos componentes avançados. Se não agirmos,
o mesmo acontecerá com a indústria espacial.
Por fim, aproveito para agradecer a
você, Nicolas, pelo contato. Estamos à disposição no Brazilian Space para o que
for necessário. E deixo aqui o lema do Brazilian Space, que completou 15 anos
em 30 de abril do ano passado: "Brazilian Space, 15 anos: espaço que
inspira, informação que conecta".
Valeu, Nicolas! Muito obrigado. Se
precisar de algo mais, é só falar.