Nicolas Rosa
O gato alertou minha noiva
Minha noiva convocou o homem da casa
Por acaso eu
Para exterminar o inimigo do lar
Penetrou nosso espaço aéreo, necessitando de extermínio imediato
Uma barata voadora
Me armei de nosso equipamento pessoal
Algo que numa guerra entre
Humanos
Hoje graças a Deus é uma
Arma de extermínio em massa
Convencionada de ser proibida de usar
Mesmo entre os inimigos que mais se odeiam
Mas como ela é um ser que mesmo aqueles que se chamam de hereges e sub-humanos entre si
Odeiam igualmente
Tenho plena permissão
De usar essa Wunderwaffen
Da indústria química
De forma similar como os romanos decretavam
Que quando alguém era
Inimigo do Estado
Que quem o matasse ou fizesse sofrer
Da maneira que fosse
Além de não ser acusado
De nada
Ainda poderia ser premiado
Pelo grande favor
Que prestou a sociedade.
Emiti vários jatos certeiros.
O aerossol era potente, cobria uma boa distância.
O invasor vacilou, perdeu potência, caiu no chão de outro quarto.
Se debatia, julguei a operação vitoriosa e disse que iria remover o inimigo neutralizado para descarte.
Meu apoio, segunda autoridade no recinto,
me armou de um chinelo para eu realizar um ataque de gravidade que garantisse a vitória.
Sem muita vontade, deixei o armamento cair sobre o inimigo, garantindo um abate total e completo.
Ele ou ela estava batendo quatro perninhas,
agora debatia duas ainda mais devagar.
Vitória total, vitória esmagadora.
Trouxe a pá de lixo, recolhi seu corpo para o zelador levar amanhã com o resto do lixo.
Tranquei o quarto para os gatos não lamberem as sobras de inseticida que possam ter ficado no chão.
Achei algo engraçado:
O inseticida tinha um cheiro agradável,
algo confuso entre limão, citronela e folhas do campo.
Não sei muito de química.
Poderia ser do solvente, do aerossol, ou de outra coisa.
Muito duvidoso que botassem aromatizantes nestes produtos.
Enquanto estava destruindo o inseto,
provavelmente estava absorvendo uma pequena carga do veneno,
Que provavelmente me custariam alguns minutos de vida no futuro.
Quem trabalha muito tempo com essas coisas provavelmente deve ser um grande candidato a ter um belo de um câncer.
São fortes neurotóxicos, que destroem os nervos,
Impedindo os órgãos de funcionar
E depois causando óbito
Por asfixia, cessação de circulação
Ou falha de órgãos generalizada.
E tanto nós como as baratas temos sistema nervoso.
Li em algum lugar que baratas não sentem dor.
Elas podem perder pedaços,
Ter esmagada a maior parte dos órgãos
Porém aparentemente
Não sofrem com isso
Tem consciência de que estão com uma parte a menos
Mas continuam a fugir ou a reagir
Até poderem escapar
Fazerem seu agressor fugir
Ou virarem um pedaço de gosma no chão ou parede.
"Ter sangue de barata"
É o verdadeiro segredo do
Que chamamos de heroísmo.
Heróis, como as baratas
Percebem a dor
Sabem que onde foram feridos
Há veias, nervos e ossos
Que nunca voltarão ao normal
Mas seguem adiante
Como se aquilo fosse nada.
As piretrinas e piretróides
Que são más com os insetos
E como promete o anúncio
Apenas contra os insetos
Exterminam as baratas.
O herói é herói porque a adrenalina, o ácido lático,
E a desilusão que matariam as pessoas normais
O fazem sofrer,
Mas não conseguem impedi-lo totalmente
De tentar abrir caminhos,
Fortalecer sua colônia,
Ser o molde de milhares de bons soldados e operários
Enfim
Tudo aquilo que nós podemos
E os insetos não devem poder.
É proibido eles quererem montar casas em nossas casas
Roer a comida que conseguimos juntar,
Depois de pagar os impostos
E merecer nossos salários e dividendos.
O cheiro primaveril ficou um bom tempo no quarto após a barata ter morrido.
Talvez não seja mais irônico uma arma de extermínio ter
aroma agradável
Do que um veneno mais mortal do que a naja indiana
Existir dentro de latas de milho com ervilha
Que esse veneno mostre sua face após a expiração da validade
E nós buscarmos esse veneno para tentar esconder nossa própria expiração
Graças a Deus há homens e mulheres que estão deixando os grisalhos aparecerem
Mostrando mesmo a quem tem como disfarçar o inevitável
Que isso não e estritamente necessário.
O que eles querem dizer é:
Amigo,
você e rico e famoso,
as pessoas não terão coragem de te ignorar e maltratar
mesmo que você deixe demonstrar que tem calvície e linhas de expressão igual aos pobres.
Eu admiro essa demonstração de leveza.
No dia seguinte, quando o cheiro de vida passou,
Acendi uma cigarrilha e admirei a Mata Atlântica pela janela.
Aquela sobra de selva estava vibrante,
A energia dos postes elétricos passava em linha reta ao redor dela,
A energia dos seres vivos fluía dela para os prédios ao redor
Prédios do governo
E prédios e casas onde moravam quem alimentava aqueles prédios com seu trabalho.
Entreguei o lixo ao zelador.
Tinha a barata, sobras da areia do gato que chamou atenção para ela, embalagens, sobras de comida.
Cada andar tinha alguns apartamentos,
o prédio alguns andares.
Cada um,
jogava fora um ou mais sacos de lixo.
Duas vezes ao dia.
Aquele invasor,
Aquele herói,
desceu no saco de nossa casa.